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Entrevista com Klaus Regling para Jornal Economico

ESM

Entrevista com Klaus Regling, diretor executivo do MEE

Publicado em Jornal Economico (Portugal) a 16 Julho 2021

Entrevista feita a 9 Julho 2021

Entrevistadores: Filipe Alves and Ania Ataide

Língua original: Inglês

 

Jornal Economico: Gostaríamos de começar por lhe perguntar a sua opinião sobre a revisão do objetivo de inflação pelo BCE [para 2%] anunciada há dias.

Klaus Regling: A revisão do BCE é positiva porque já passou bastante tempo desde a última revisão e as estruturas económicas mudaram. A situação económica mudou. A meta de inflação é agora mais fácil de entender. Também é interessante que com o tempo vão incluir nos cabazes que determinam o cálculo do índice de inflação, os custos relativos à habitação própria, que é algo que se encontra, por exemplo, nos Estados Unidos, mas ainda não na Europa. Isto será útil. Não é uma mudança dramática, mas decorre de forma bastante lógica do que o BCE já vem fazendo há algum tempo.

Considera que o aumento da inflação a que estamos a assistir será um fenómeno temporário? Ou enfrentamos um efeito mais permanente?

Todos nós esperamos ter uma inflação um pouco mais alta do que nos últimos cinco, seis ou mesmo dez anos, e o BCE, como outros bancos centrais, tem trabalhado para elevar a inflação. Se for mais alta do que nos últimos anos, acho que é muito desejável, e é isso que a política monetária quer alcançar. No entanto, em alguns países tem estado realmente acima da meta nos últimos meses. Creio que, de facto, em grande medida isso é temporário. Não espero que fique acima da taxa média de 2% durante muito tempo.

A crise mostrou que as ferramentas tradicionais dos bancos centrais não são mais eficazes?

Sim, mas isso já remonta à crise da dívida soberana e à crise financeira global de 2008.Todos os grandes bancos centrais do mundo reduziram as taxas de juro. E o limite inferior, zero, já foi alcançado há vários anos. É por isso que os bancos centrais desenvolveram outros instrumentos, como aumentando os seus balanços e introduzindo o “forward guidance”. Isso não é novo. Já acontece há algum tempo. A pandemia que nos atingiu no último ano e meio é um tipo de crise muito diferente, mas também tem, é claro, um impacto nos mercados financeiros e nas políticas. Ficou evidente que os instrumentos tradicionais, como mexer nas taxas de juro, quase não podiam mais ser usados, e portanto outros instrumentos tiveram que ser introduzidos.

O MEE vai devolver a Portugal a margem pré-paga do empréstimo concedido na última crise. Qual a importância deste passo?

É um passo muito positivo. São 1,1 mil milhões de euros que foram transferidos para o Tesouro português na semana passada. Isso remonta a uma época em que não tínhamos o MEE. O FEEF concedeu empréstimos a Portugal no valor de 26 mil milhões de euros. Mais tarde desenvolvemos o MEE, que funciona de maneira bem diferente, com capital subscrito. O FEEF trabalhava com garantias e os empréstimos tiveram que ser garantidos por um reforço de crédito adicional. Emitimos um valor maior do que o necessário para o empréstimo para termos um buffer adicional que nos permitisse obter uma notação de crédito AAA, cobrando uma certa margem que tinha sido acordada e uma pequena comissão para cobrir custos operacionais.

Ainda em 2011, os ministros das finanças da zona euro decidiram reduzir a margem a zero porque consideraram que o principal objetivo dos nossos empréstimos era ajudar os países a regressar à sustentabilidade da dívida e, portanto, quanto mais baixas as taxas, taxas de juros e margens que tínhamos de cobrar, melhor para a sustentabilidade da dívida. Acordámos então que manteríamos o valor dessa margem pré-paga nas nossas contas acumulando juros até ao vencimento da obrigação de 10 anos. Isso aconteceu na semana passada. O valor que devolvemos a Portugal é 1,1 mil milhões de euros, dos quais827 milhões são o valor da margem pré-paga e o restante são os juros acumulados.

É uma quantia importante que fica disponível numa altura em que o país recupera da crise causada pela pandemia.

Sempre foi claro que o dinheiro seria devolvido a Portugal. Isso não é uma surpresa, mas agora acontece durante a pandemia e tenho certeza de que o Governo português poderá fazer bom uso do dinheiro.

E quais são suas expectativas em relação à evolução da pandemia de COVID e o impacto na economia? Em Portugal estamos a assistir a um aumento significativo do número de pessoas infetadas.

Os riscos continuam a existir, porque não sabemos exatamente o que vai acontecer. Segundo as previsões da Comissão Europeia, Portugal voltaria ao nível do PIB de antes da crise, em 2019, em meados do próximo ano, com boas taxas de crescimento. A economia ainda foi muito afetada pela pandemia no primeiro trimestre, mas esperava-se que o crescimento económico fosse muito forte a partir do segundo trimestre. Agora, o crescimento terá sido afetado por outra vaga da pandemia. É um risco que todos os nossos países enfrentam porque não sabemos como vai evoluir a nova variante delta, ou se podem surgir outras variantes, e não sabemos quão eficazes serão as vacinas no final.

Variantes essas que poderão ser resistentes às vacinas...

Isso não sabemos, mas é certamente um risco. É uma corrida entre a vacinação, as infeções e novas variantes. Mas também sabemos que se fala agora de uma terceira vacina, que também cobriria uma nova variante. Portanto, não será impossível de superar, mas existem riscos.

Ao mesmo tempo, existem outros fatores positivos, como os elevados níveis de poupança das famílias que se têm acumulado. Uma parte da população sofreu realmente muito com a COVID-19. São pessoas que perderam o emprego ou deixaram de ter rendimentos. Mas outras mantiveram os mesmos rendimentos durante a pandemia e não puderam gastá-los tanto quanto antes. Isto é algo que nunca aconteceu antes. Com que rapidez essa poupança extra será gasta?

Portanto, há riscos de ‘upside’. Nos Estados Unidos e em todos os países europeus, incluindo em Portugal. E existe a possibilidade de o crescimento em alguns países ser mais rápido do que no cenário base e Portugal vir a beneficiar disso. As exportações portuguesas de bens têm estado muito bem. As exportações de serviços - isto é turismo – não, tem sofrido e é um risco negativo. Mas, portanto, os riscos são equilibrados. Há seis ou nove meses os economistas só viam riscos negativos, agora estão mais equilibrados. E isso é bom.

Esta crise reforçou o papel das instituições da UE? E do MEE em particular?

As instituições europeias cumpriram bem o seu papel. A resposta das instituições europeias à crise foi muito útil e vai além do que os governos estão a fazer. O aumento dos gastos, e a perda de receita, fez com que os défices orçamentais em todos os países tenham disparado. Mas tudo isso era inevitável dadas as circunstâncias. Portanto, a decisão da Comissão Europeia de suspender o limite do défice de 3% do PIB e ativar a cláusula geral de escape do Programa de Estabilidade e Crescimento foi a abordagem certa. Algum relaxamento nas regras de auxílio estatal foi útil e a ação adicional do Banco Central Europeu também foi importante. O Banco Europeu de Investimento concedeu empréstimos extras em resposta à pandemia e o MEE, a minha instituição, criou uma nova linha de credito para os países. Ainda não foi utilizada, mas funciona como um seguro. A ideia não é necessariamente que o dinheiro seja usado, mas que os países, e também os mercados financeiros, entendam que está disponível se for necessário. Isso teve um impacto positivo nos mercados financeiros quando foi decidido o ano passado. Em conjunto, foi uma abordagem bastante abrangente e necessária tendo em conta que esta e’ a maior crise económica de nossa vida.

E por quanto tempo devemos manter os estímulos orçamentais?

Há um entendimento muito claro no Eurogrupo, portanto, dos 19 ministros das Finanças da área do Euro, de que a cláusula de escape geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento permanecerá suspensa também no próximo ano. E então será restabelecida, possivelmente reformada. Esse é um elemento importante. A outra é que também há consenso de que os estímulos orçamentais não devem ser retirados prematuramente, apenas quando a recuperação estiver totalmente garantida. Portanto, esses são os princípios acordados. E isso deixa bem claro o que acontece neste ano e no próximo. Dados os riscos de que falamos, não podemos ter certeza absoluta de quando chegaremos a essa situação, mas conceptualmente é bastante claro.

Na crise do euro, Mário Draghi proferiu a célebre frase “whatever it takes”, sinalizando a todo o mundo que o BCE e a União Europeia fariam tudo o que fosse necessário para garantir a sobrevivência da moeda única e do projeto europeu. A União Europeia poderá dizer o mesmo se alguns destes riscos se materializarem, aparecerem novas variantes e a crise pandémica não passar nos próximos anos? A Europa fará tudo o que for preciso?

Nos últimos 18 meses fizemos tudo o que era preciso não só no lado monetário, mas também no plano orçamental. E essa foi a abordagem absolutamente certa. Caso contrário, a recessão, que já foi a pior recessão das nossas vidas, a pior desde a Segunda Guerra Mundial, teria sido muito, muito pior. E apesar de todos os riscos sobre os quais conversamos, o pior, creio, já ficou para trás. Não espero que voltemos à situação que tivemos no ano passado, em que o PIB na Europa caiu 6%, o que é um número muito elevado. As incertezas são em torno do crescimento de 4.8% e 4,5% neste ano e no próximo. Se alguns desses riscos se materializarem, os estímulos orçamentais poderão ter de vigorar por mais tempo.

A Europa deve então esperar o melhor, sem deixar de se preparar para o pior. Mas sobretudo deve acreditar no melhor?

É bom ter um cenário de base sólido e esperar que alguns dos fatores positivos possam entrar em ação. Mas se o crescimento for menor do que o esperado sabemos o que fazer. Na Europa, demonstrámos que podemos agir rapidamente se for necessário. E não tenho dúvidas de que se isso realmente se tornar necessário, o faremos novamente.

Portugal foi durante séculos considerado um país periférico em relação aos principais centros da economia europeia. A tecnologia é uma oportunidade para colmatar esse ‘gap’, ao permitir atrair novas indústrias para Portugal, bem como pessoas qualificadas [os chamados “nómadas digitais”], tornando a nossa economia mais competitiva?

A tecnologia pode ajudar países que estão na periferia e também ajudar regiões que podem ter perdido durante o processo de globalização. Com as novas tecnologias da informação, são geradas indústrias menos intensivas em capital. É um grande benefício para o futuro que passa a ser possível com a tecnologia de hoje.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal prevê que a maior parte das verbas serão destinadas ao Governo e a entidades públicas. O setor privado recebe diretamente apenas uma pequena parte do “bolo”. O que pensa sobre isso?

Pelo que tenho visto, o plano também oferece incentivos para pesquisa e desenvolvimento, que indiretamente beneficiarão o setor privado. E parte dos fundos será usada para fortalecer o sistema de educação. Os fundos poderão ir para o setor público - escolas e universidades - mas os alunos que saem dessas instituições estarão mais bem preparados e isso ajudará o setor privado. Creio que existe uma ligação importante aí.

Acredita que haverá um efeito indireto na economia?

Tenho a certeza, se for bem implementado. O plano é bom, como noutros países, como por exemplo em Itália, Grécia e Espanha. A implementação vai ser um desafio em todos estes países, não é só em Portugal. Porque aumentar significativamente o investimento público num curto espaço de tempo não é fácil. A implementação vai ser o foco.

Portugal já tem uma dívida pública elevada, mas pensa que poderíamos ter ido mais longe no apoio à economia e às empresas?

Não sei se isso era realmente uma opção. O Governo português fez o que todos os países europeus fizeram para apoiar a economia. Em 2019, o rácio dívida/PIB era em torno de 117%, quase 20 pontos inferior ao da crise do euro, e foi a primeira vez em cerca de 40 anos que Portugal teve um excedente orçamental, uma conquista bastante significativa. Foi um bom ponto de partida para enfrentar as consequências económicas da pandemia. Tornou mais fácil mobilizar todos os recursos orçamentais necessários para combater a pandemia. Agora, o rácio é um pouco mais alto do que era depois da crise da zona euro. Por boas razões. Ninguém critica isso. Superadas as consequências económicas da pandemia, é claro que Portugal, como todos os outros países europeus, começará a reduzir o seu défice orçamental. Parte disso acontecerá automaticamente porque a maioria das medidas para combater o COVID 19 são temporárias. Isso significa que irão expirar num determinado ponto neste ano ou no próximo. Sem tomar qualquer decisão adicional, o défice reduzir-se-á automaticamente. É uma boa abordagem.

As moratórias de crédito são uma das medidas. Em Portugal, há um certo receio em relação às moratórias que expiram em setembro. Existe um risco para o sistema financeiro?

O sistema bancário português, tal como o sistema bancário da maioria dos países europeus, é muito mais forte hoje do que antes da última crise. O trabalho realizado nos últimos 10 anos está a valer a pena. Isso não significa que todos os problemas estão resolvidos, mas quando olhamos para os rácios de capital e para os níveis de liquidez, vemos que estão muito, muito melhores do que em 2011, o que é positivo. Quando as moratórias expirarem, veremos o que acontece. O grau de incerteza ainda é elevado o que dificulta fazer previsões claras mas as medidas que foram tomadas devem ajudar a mitigar o impacto. Poderá significar um aumento dos défices orçamentais dos governos, porque algumas das garantias serão acionadas. Mas, novamente, é um problema que outros países enfrentam, não só Portugal.

Mencionou que os bancos estão mais fortes agora do que há dez anos, mas além da crise pandémica o setor enfrenta a concorrência de novos players digitais. Será necessária, na Europa, uma onda de fusões e aquisições no setor bancário?

Na maioria dos países europeus, a rentabilidade dos bancos é baixa. Ou seja, os rácios de capital são muito mais altos que há 10 anos, mas os lucros, em comparação com os bancos nos Estados Unidos ou na Ásia, são baixos. É um problema generalizado, não só em Portugal. Os bancos têm de responder a este novo ambiente. Se não fizerem isso, não serão capazes de melhorar a sua rentabilidade. Portanto, há desafios e muito trabalho a ser feito. Isto é verdade em todos os países europeus [e não apenas em Portugal].

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